Tannhäuser - 1992/1996

    Foi um grupo pioneiro da música industrial em Curitiba. Também um dos primeiros deste tipo no Brasil.

    O estilo de som industrial cru é um gênero musical discordante que usa sons duros, mecânicos e repetitivos. O Tannhäuser, além dos instrumentos tradicionais como bateria e baixos (no plural mesmo, eram dois e não havia guitarra), utilizava latão e ferragens na percussão, serra elétrica, etc. Deixando tanto o aspecto sonoro quanto o aceno visual muito marcantes e verdadeiramente agressivos. No meio ambientado, este projeto foi algo novo e ousado, diferente de um convencional que já não era tido como muito normal.

    O nome vem de uma ópera  dramática do maestro alemão Richard Wagner (link), compositor que detinha laços estreitos de amizade com Mikhail Bakunin e carregou também um histórico revolucionário.

    Os diversos integrantes eram uma empolgante turma de grande relevância no underground curitibano, artistas majoritariamente oriundos da cena alternativa, pós-punk e punk... época que perguntavam se você era 77 ou JL (Juventude Libertária). Na foto acima a primeira formação: Nenê (Misfire), Alessandro (Anti-Kaos), Aitel, Fardado (Misfire/Malkriados), Soninho, Luiz Galvão, Caio (Misfire / RIP) e Marião (RIP)... 

  Falando um pouco sobre integrantes, não foram somente esses, nem detinham uma função fixa no grupo. Pelo que pude entender era mais ou menos assim: o Aitel no vocal cantava as poesias em inglês, alemão e havia até uma em latim. O Fardado revezava a bateria com Nenê... segundo eles porque as músicas eram longas e podiam ser cansativas. Caio tocava baixo, criou varias das bases. Luizão ainda tocava um segundo baixo dando um timbre e efeito diferente. Ale e Marião ritmavam na percussão. Soninho no teclado e na mixtape... (segundo a própria, somente entrou na banda porque o Marião insistiu, dizendo que necessitava uma personalidade feminina no grupo)
    Teve mais gente ao longo do tempo, a banda era como um grupo com membros que iam e vinham. Morevi (Gengivas Negras) tocou teclado um tempo. Rezende e outros numa segunda fase, uma segunda parte da banda... não como uma segunda formação, pois, não era encarada como uma banda tradicional. Era um coletivo, uma orquestra, uma ideia... ou como resumiam: A C.A.O.S. - Companhia Anárquica de Oposição Sonora.

    Começaram no início de 1992, ensaiavam junto ao Misfire (desta apenas o guitarrista Gil não participou) na casa do Fardado até 1994, depois foram para o outro lado da cidade no bairro Fazendinha.

Linos 

    Tiveram poucos shows mas todos foram lendários. O primeiro foi num domingo especialíssimo sobre a mesa de sinuca deste bar na clássica esquina da Alameda Cabral com Augusto Stellfeld, assíduo ponto de encontro dos integrantes. Numa triste coincidência o mesmo local onde o saudoso frontman foi, de maneira extremamente impactante, executado com uma rajada de calibre 12 no peito anos depois (Mário Cesar Barbosa Ramos 1965-2000).

Marião era um gigante bruto, no meio da primeira música nesta primeira apresentação jogou uma armação para cima e acabou fazendo um corte no braço do baixista Caio, fato prosseguido de uma quebradeira tragicômica generalizada.

    Linos era o bar onde a banda surgiu, consideravam ser uma extensão de sua própria casa, uma verdadeira matriz. Com o gentil Marião trabalhando lá, havia se estabelecido um retorno mais pacífico, comparado à uma fase anterior de caos entre gangues e tretas. Era um prazer enorme poder ter uma cerveja servida pelo Mário e trocar uma breve palavra com ele naquele balcão tão tradicional e despretensioso. O Linos estava em uma ótima fase, com góticos, pós-punks, punks, psycho-billys, metaleiros... Toda essa galera do underground essencial frequentando e fazendo a contra cultura acontecer...

O dia em que o Tannhäuser tocou em nosso bar

Show no Fazendinha
Show no Fazendinha em benefício aos Punks del México -  Algum conhecido seu aí no pogo?

    
Para mim, pessoalmente, um show especial e histórico 
foi este no Bar dos Punks no Fazendinha em 1995. Deste, infelizmente não tenho fotos da banda, apenas do pogo e outras cenas. Na data tocaram: Confusion of Tongues (SC), Sinfonia di Cachorro (SP), Cérebro Distorcido (quarta foto, repare no detalhe sutil do "T" lá no palco), Extrema Agonia e também, é claro, o Tannhäuser. E foi um showzaço, estava lotado dentro e fora naquela noite memorável.

    O bar (antes Bar da Selma) era autogerido pelos integrantes da banda Cérebro Distorcido (um embrião da banda LAI), onde eu guitarreava e dois dos integrantes do Tannhäuser já haviam passado brevemente em formações anteriores (Soni e Farda)... E este antro na época concentrava bem a cena punk anarquista da cidade... o Marião frequentava-o, insistiu que queriam tocar ali e é claro que a gente topou imediatamente... Na hora do concerto, podia se chamar também de "conserto" com "S" devido às ferramentas da banda trabalhando e assustadoramente soltando fogo e faísca em diversas direções. Haviam punks de outros estados e até de outros países (EUA, Alemanha), alguns desses que vieram de fora para conhecer o cotidiano do bar não conheciam a ruidosa banda, estranharam o som e indagaram o porquê desses caras esquisitos ali... Dissemos apenas que esta banda tinha verdadeira atitude e muito para nos mostrar... e que aquele estava sendo um momento histórico.

    Na terceira foto se pode ver no alto com uma filmadora em mãos a Ulla Nielsen, uma punk anarco-feminista de Mineápolis que estudava história na USP e documentou muito da cena dessa época em vídeo. Porém, não cheguei a ver estas filmagens.

    Nestas fotos, além de vários amigos ainda bem jovens, podemos ver alguns que já se foram. Pica-Pau, Alexandre Pain, Márcio Cobaia e o próprio Mário.

Bar dos Punks - Fotos Pompom

 TUC, TUC, TUC, TUC...

    Parece uma onomatopeia da banda industrial, o  Teatro Universitário de Curitiba, espaço democrático que sempre hospedou diversos shows nos mais variados estilos, é um auditório na galeria Júlio Moreira, fica no túnel que liga o Largo da Ordem com a Praça Tiradentes, passando por baixo da cracolândia curitibana na Rua Nestor de Castro. Um ótimo local para shows de pequeno ou médio porte.



Fotos Show TUC -  Acervo Pessoal do Valmir -  Retiradas do Facebook

   Esse Gig foi exclusivamente deles. Possivelmente foi o melhor momento da trupe. Para se ter uma ideia teve até um cara que levou uma forte latãozada na cabeça, ele estava curtindo perto demais do palco e foi vítima de mais um instrumento voador do empolgado percussionista, felizmente nada mais grave. Assim era o Tannhäuser, um ambiente arriscado, não era simplesmente música, ou anti música, era uma apresentação cenográfica com diversas vertentes artísticas se manifestando.

    E segundo o Aitel, pelo menos enquanto ele esteve no vocal, que ele se lembra foram essas três as únicas apresentações deles, exatamente nessa ordem. Era pra ter rolado ainda mais um outro show no Solar do Barão com equipamento da prefeitura e todo esse apoio que a cena merece receber... mas acabou chovendo e abortaram. 

    O show do TUC teve o áudio captado diretamente da mesa de som. Ainda que um equipamento de vídeo nesta época fosse um artefato muito raro, algumas dessas apresentações foram filmadas, porém nunca consegui ver as gravações. 

    Também até este presente momento não escutei uma rara fita de um ensaio do Tannhäuser, temos  este trecho dela, retirado do programa Mofo Novo #120 (2018) Especial Linos 82 anos (link).
    Se alguém tiver engavetado ociosamente algum desses fundamentais registros e não se importar em compartilhar... Disponho de equipamento simples e eficaz que pode fazer a digitalização para jogar na grande rede. Que é onde ela deveria estar (a menos que tenham planos concretos mais audaciosos). Faço o apelo. Não permitam que isso se perda, o que nasceu no underground tem que continuar no underground!

O grafismo primitivo e grosseiro.

    Mas, falando ainda sobre este incrível cartaz do TUC, com imponente tamanho A2, eu ganhei do Fardado e tenho guardado até hoje. O nome do conjunto foi desenhado com letras em forma de concreto, devastado em ruinas. Logo abaixo o acrônimo C.A.O.S. sustentado por parafusos.
    O desenho principal; feito pelo Carlos Rezende, o Baiano; representa um neandertal segurando na mão direita uma enorme clava com um chifre espetado na ponta, enquanto observa confuso, segurando com a esquerda, um parafuso que surgiu sei lá de onde naquele cenário pré-histórico. Ao lado e sem o menor destaque o "T" em fonte serifada (este "tesão" era um símbolo da banda que ficava evidente naquela TV dessintonizada no palco).
    Os outros elementos aleatórios fazem referência ao barulho que o público seria exposto: a foto de uma enfermeira pedindo silêncio, um alerta para utilizar protetor auricular e um LP sendo arranhado por um parafuso.
    Simples, direto, monocromático, artesanal e genial.

C.A.O.S. - Companhia Anárquica de Oposição Sonora

    Desenho da camiseta da banda feito pelo Marião (segundo ele a única camiseta branca que usaria). Carrega de maneira até que comportada um pouco da insanidade agressiva que era comum em seus traços. Não tinha como não admirar esse seu demente trabalho.

    Tenho mais material físico do Marião (link) que irei digitalizar e colocar gradualmente aqui no blog. Zines, fotos, desenhos e cartazes de sua autoria...Por hora, deixo a sugestão que sigam e interajam na página do Lomhlaba (link) no Facebook. 

Outros Shows

Os registros desta época, que na verdade nem é assim tão distante, são difíceis de localizar. Poucas foram as pessoas que guardaram algum cartaz, alguma rara foto... e que queiram contribuir, compartilhando. Outras testemunhas oculares por vezes não lembram bem as datas e se equivocam com demais detalhes, contradizendo outras... Normal.


Cartaz por Carlos Rezende

    Com esta frase em latim; normalmente inscrita em frente aos portões de alguns cemitérios: "Revertere ad locum tuum", cuja tradução literal seria: “Volta para o lugar de onde vieste”; o desenho deste cartaz segue a linha bem parecida com o desenho anteriormente mostrado. 
    O Cabaret Pagliacci foi uma clássica casa de shows (e mais) na cidade, teve bandas incríveis da cena underground. Fechou em 1998.
    Apesar de não haver no cartaz a indicação de nenhum valor referente à entrada, há uma mensagem da banda "reafirmando que a posição de não cobrar os ingressos em suas apresentações. Não tendo assim, nenhum vínculo com a cobrança deste show".
    Teve o apoio do coletivo Núcleo da Ideia, do Cabaret e também do Bar Estorvo, saudoso ícone pertencente ao Marião e Cobaia (RIP).

Estorvo - Cobaia, Marião e Aitel. Foto: Acervo Pessoal Aitel

Maio Negro - Cartaz por Carlos Cassoti (Squat Kaazaa)

    Durante praticamente todos os anos da década de 90 ocorreram eventos no feriado do Dia do Trabalhador ali no Parque Bacacheri, sempre organizados pelo agitador cultural anarquista João Bello. Um fato curioso é que foi ali, enquanto nos preparávamos para assistir o show do GTW e DZK, que eu recebi em primeiro de maio de 94 a notícia de que acabara de morrer Airton Senna.
    Nestes eventos haviam apresentações musicais, teatro, dança, poesias, protesto... Seria o espaço perfeito para uma banda como o Tannhäuser que unia muitos desses elementos em suas apresentações. 
    Entretanto, não me lembro por qual motivo, esse show foi cancelado. Depois as bandas punks resolveram mantê-lo e improvisaram a gig assim mesmo (link). Porém, NÃO TOCARAM: Tannhäuser, Ruídos Absurdos, Kráppulas, No Mais nem Herzog.

Olha aí mais um no TUC!

   E não é que pelo jeito em 12 agosto (dia internacional da Juventude), no magnífico ano de 1995, teve mais barulho... Convocado através desse cartaz insanamente desenhado!
   Este outro show que houve no TUC eu não tinha conhecimento, porém o Morevi achou essas incríveis fotos de um outro grande evento ali, onde o próprio aparece tocando um sintetizador.
   Pelas cenas é possível ver o local lotado, com muitas figuras conhecidas entre o público. Caramba!

 




Infelizmente sem créditos do fotógrafo

Para ver o incrível álbum contendo 31 fotos clica neste LINK AQUI.

Retratos do Tannhäuser 

    
    Bem antes da futilidade exponencial das "selfies" existiu uma maneira e uma linguagem fotográfica distinta da que vemos hoje. A fotografia analógica requeria uma atenção maior e conhecimento técnico mais apurado. É difícil tentar explicar hoje, como era comprar um filme fotográfico, neste caso o preto e branco, ter a limitação física de quantidade de poses, não ter a resposta imediata de como ficaram as fotos, aguardar dias na revelação... Todos já ouviram a expressão “queimar o filme”? Pois sua origem se deu justamente nessa época, precisávamos cuidar para não expor demais o filme à luz ou isso "queimaria" ele, faria perder a imagem fotografada. Quando uma pessoa passava por uma situação vexaminosa fazíamos a analogia que ela estava se expondo demais e queimando o filme, ou seja, prejudicando sua imagem.
    Por essas dificuldades as fotos não eram tão corriqueiras e tinham geralmente expressões menos espontâneas. Dá para ver isso nessas cenas um pouco mecânicas... Mesmo assim, estas tomadas carregaram o sentimento inconsciente do cotidiano do grupo. Na verdade estas composições ficaram verdadeiramente incríveis.
    Dá pra imaginar perfeitamente a banda se reunindo, dando um rolê pelo bairro em busca de locais interessantes e fora do comum para fazer os cliques neste dia nublado. Dá vontade de estar lá.
    As fotos foram tiradas na região da Rodovia dos Minérios, zona norte de Curitiba, perto de onde ensaiavam na casa do Fardado e de sua querida avó Arminda, Bairro Abranches.
    Se vê a antiga Central de Parada de Transportes, torres de eletricidade, uma subestação de energia, cercas e caminhões... de fato um cenário compatível com a temática pretendida, sejam lá quais foram as referências.
    A função dessas fotos seria ilustrar um release da banda. O talentoso fotógrafo foi o Demétrios e os negativos originais ainda se encontram carinhosa e devidamente preservados nas mãos da Soninho. 

  
 
 
 
 

O desfecho

    Imagino que deve ser difícil gerenciar um grupo assim tão complexo e sei que tudo tem seu ciclo. Mas, juntamente devaneio onde é que teriam chego e o que teriam criado a mais se não tivessem, naturalmente, se desmembrado?
    Hoje, mais de 30 anos já se passaram, alguns não mais estão por aqui, mas fico contente de até então poder ter contato com parte deles, saber que alguns ainda seguem com outros planos e projetos... e me empolgo por poder criar esta pequena e inédita narrativa que ajuda a relembrar, trazer, registrar e assim propagar um pouco da história do Tannhäuser para o mundo. História cheia de lacunas e que é pouco conhecida além da roda da época, mas que para quem conheceu só garante elogios à esta atitude diferenciada que tiveram. 

E se você teve a honra de os ter conhecido, gostaria muito que você compartilhasse aqui; através de um comentário; a sua mensagem, sua lembrança, a ideia que você tinha sobre essa banda... Qualquer informação relevante eu incluirei, atualizando o texto. Já compartilhe também nas suas redes sociais para ajudar a chegar ao maior número de pessoas possível.

Texto por: Armando Tomé - impregnantes.com.br

Comentários

  1. Que legal vc juntar um pedacinho que está na lembrança de uma pessoa, outro de outra, e chegar a esse texto que dá dimensão da importância da Tanhauser. Obrigada por essa e outras matérias tão legais que vc faz por aqui.

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